Um “processo civilizatório” em que vidas inocentes são descartadas

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Um regime doente

Poucas vezes a criminalização das opiniões contrárias foi tão neurótica como está sendo agora com os debates sobre o aborto

As classes que mandam hoje no debate público nacional, num arco que vai do Supremo Tribunal Federal aos animadores de auditório politicamente corretos, querem criar uma sociedade de boçais no Brasil. Descrevem a si próprios como democratas, civilizados e “progressistas”. Estão sendo, cada vez mais, gendarmes de uma ordem pública na qual a maior ofensa é ter uma opinião diferente da que eles têm — a única que, na sua visão de mundo, deveria ser legalmente permitida no país. Qualquer outra, sobre qualquer assunto, é de extrema direita, contra a democracia e acusada de levar a humanidade de volta ao Tempo das Cavernas. Por esse entendimento, fica proibido discordar. Fica proibido propor ideias próprias. Fica proibido pensar. O que pretendem na prática é eliminar, em nome do “processo civilizatório”, justamente um dos princípios fundamentais para o avanço da civilização humana — o da livre circulação de ideias e a convicção de que pode haver mais de um ponto de vista sobre a mesma coisa.

O Judiciário supremo, a maior parte da mídia e as classes culturais estão convencidos, como o presidente Lula e a esquerda em geral, de que só as ideias que consideram acertadas têm o direito de entrar no debate público. As que não levam o seu certificado de aprovação, e sobretudo as que são contra as suas, são tratadas como manifestações de delinquência social, política e moral — são “fascistas” e seus portadores deveriam responder a processo penal se disserem o que pensam.

É uma contrafação em estado bruto. Os partidos da esquerda, os “formadores de opinião” e as almas que se consideram esclarecidas transformaram o projeto numa discussão sobre o estupro.

Este é o tom — do presidente até o último miliciano dos esquadrões de fake news a serviço do governo, dentro ou fora do Palácio do Planalto. A falsificação dos fatos segue o roteiro de sempre, mas a fórmula do veneno está nesse “não vai ser votado”. Faz parte da doutrina central do regime em vigor no Brasil de hoje: se não aprovar as leis autorizadas por Lula, o STF e o Jornal Nacional, o Congresso está sendo de “extrema direita” e agindo “contra a democracia”.

Esse desvio constante das noções básicas da democracia está criando um país ruim. Há uma clara deficiência de ordem moral num mundo político em que o aparelho do Estado interdita o debate entre os cidadãos. Obviamente, é uma anomalia que não vem sozinha — faz parte de toda uma construção totalitária. O pacote é extenso. Inclui, acima de tudo, uma casta de donos da razão que autoriza ou proíbe o cidadão de pensar — permitem o que acham certo, vetam o que acham errado.