Democracia é a voz do povo. Só quem não é democrata discorda dessa verdade. O corolário dessa verdade é que, se não houver a voz do povo, livre, não há democracia. Por isso a censura, que restringe a liberdade de expressão e opinião, é vedada na Constituição do Brasil. Como se expressa a voz do povo? Pela fala ou por gritos, em lugares públicos. E, graças aos avanços digitais, pelas redes sociais, que ampliam, turbinam, potencializam a voz de cada pessoa, que adquire alcance universal. Há uma diferença, não há como não reconhecer, entre a voz nas redes e a voz na mídia tradicional. A mídia tradicional escolhe o que o povo pode receber como informação, ou o que é preciso informar ao povo. Nas redes, o povo é quem escolhe o que receber e o que não receber; é o exercício do arbítrio e discernimento de cada um, que também pode participar com sua voz. Volta e meia ministros do Supremo pregam “regulamentação das redes sociais”, além do que já está na lei, no Marco Civil da Internet, em vigor há 11 anos. Censura em nome da democracia.
Comemorou-se, com barulho na mídia tradicional, o marco dos “40 anos de democracia”. O período começou passando por cima da Constituição já no primeiro dia, quando um general foi decisivo para que o presidente da Câmara não assumisse interinamente a Presidência da República, como está nos artigos 78 e 79 da Constituição de 1967, então vigente. O general Leônidas Pires Gonçalves disse que não daria posse a quem comparara Ernesto Geisel a Idi Amin Dada, o ditador de Uganda. O general se referia ao presidente da Câmara, Ulysses Guimarães, que deveria assumir, na vacância do presidente da República, e convocar eleições em 30 dias. O eleito, Tancredo Neves, estava hospitalizado; José Sarney era vice, e substituto de alguém que ainda não era presidente. Sarney assumiu e assim começou. No seu Plano Cruzado, gerentes de supermercado e de farmácia eram presos arbitrariamente, e a polícia entrava nos pastos para prender boi gordo. E se fez uma nova Constituição, a cidadã. No dia da promulgação, Sarney me disse, em entrevista: “Com essa Constituição, o Brasil fica ingovernável”.
Veio Collor e congelou poupanças e depósitos acima de 50 mil cruzados novos. Um atentado à democracia, aprovado depois no Congresso. Em dois anos, sofreu impeachment no Senado, mesmo tendo renunciado horas antes; mesmo assim, ficou inelegível por oito anos, como manda a Constituição. No impeachmentde Dilma, o que está no artigo 52 não valeu e ela não ficou inelegível, mas foi reprovada pelos mineiros em sua candidatura ao Senado: ficou em quarto lugar. Sabotaram a Constituição, em julgamento conduzido pelo guardião dela, o presidente do Supremo, e o povo precisou corrigir. Nos governos petistas, o mensalão e a Lava Jato mostraram que a democracia fica disforme quando o dinheiro de estatais e dos impostos do povo é desviado para políticos e seus partidos.
Nos últimos seis anos desses “40 de democracia”, vigorou o “Inquérito do Fim do Mundo”, passando por cima da iniciativa do Ministério Público, do devido processo legal, da ampla defesa, do juiz natural, da vedação à censura e ao juízo de exceção. O queixoso investiga, denuncia, julga e manda executar. Quem concorda com isso está em silêncio hipócrita, pois continua falando em democracia e condenando “atos antidemocráticos”. Com seus desdobramentos desse inquérito na política e no cotidiano, o país passou a sofrer a derrogação dos direitos e garantias fundamentas e da inviolabilidade dos representantes do povo por suas palavras e opiniões. Parafraseando Churchill, a toga baixou sobre o Brasil, do Oiapoque ao Chuí.