Nas grandes crises da História, o surgimento de homens agradáveis a Deus – Moisés

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Texto de André Frossard

“Moisés, talvez o maior homem que tenha existido, pois Jesus Cristo é Deus”.

“Sua vida pública, iniciada aos oitenta anos, se desenrola sob um céu tempestuoso, apenas iluminado de longe em longe pelo interlúdio pastoral de uma doçura sem amanhã”.

Ele fez de Israel um povo e uma religião em marcha, perfilado ao redor de sua lei, como um exército ao redor de sua bandeira.

“A eloqüência prodigiosa desse homem que gaguejava encheu o Antigo Testamento de sua sonoridade de bronze, cuja grandeza wagneriana rola eternamente suas vagas possantes sob os céus pacíficos do Evangelho”.

“Ele nasceu sob o signo da primeira perseguição anti-semítica registrada na História, numa data que se hesita ainda em fixar entre os séculos XV e XIII antes da era cristã. Roma não era senão um débil ondulado de colinas desertas à beira do Tibre. E a Acrópole, um terraço desnudo, uma espécie de escabelo avançado do mar, para uma representação de gênio que ainda não começara.

“A civilização seguia dois rios: o Nilo e o Eufrates. E começava a enxertar alguns frutos promissores numa ilha do Mediterrâneo, Creta, plataforma inicial das artes, das leis e das técnicas do mundo ocidental”.

“O Egito oferecia, então, o modelo acabado dessas sociedades antigas, onde se encontravam harmoniosamente combinadas, para a frágil felicidade de uma elite, uma alta inteligência religiosa dirigida para a magia, o mais extremado refinamento dos sentidos e mais refulgente dureza de costumes políticos. As magníficas estátuas dos túmulos do Nilo exprimem com perfeição essa mistura de espiritualidade superior, de rigor e de sensualidade”.

“Eretas, braços colados ao longo do corpo, elas avançam um pé como os granadeiros ingleses nas paradas. E, sob a cabeleira em forma de crina estilizada, o rosto ergue, na noite, seus traços geométricos de astro iluminado pelo estranho sorriso da morte”.

“E subiu ao trono do Egito um rei que não conhecera José”

“Os judeus foram atraídos ininterruptamente para o Egito pela esperança segura que lhes dava o poder de José, filho de Jacob e de Raquel. José tornara-se, pela lucidez de seu gênio, o primeiro-ministro do reino. Receberam boas terras no país de Gessen, entre o delta do Nilo e os lagos Armers, onde atualmente passa o canal de Suez, calma província a uma distância razoável do poder central.

“Em algumas gerações, o país foi inundado por esses protegidos de José, multiplicados pela felicidade, até o dia – diz a Escritura – em que subiu ao trono do Egito um rei que não conhecera José”.

“E que começou a lançar um olhar descontente sobre essa população exótica, cuja massa crescente ameaçava pouco a pouco o recenseamento.

Então começaram as desditas de Israel. As lanças egípcias voltaram subitamente suas pontas contra aqueles que até então protegiam. O sol de Gessen, que se deitara sobre uma paisagem idílica, se levanta sobre um campo de concentração.

“Trabalhos se sucedem a trabalhos, sob o sibilar das matracas. Um povo, outrora orgulhoso e altivo, olha estupefato os seus pulsos acorrentados. E, em milhares de peitos descarnados pelas galés, forma-se e sobe o soluço do exílio”.

“Do trabalho forçado ao massacre mais ou menos disfarçado, o processo de perseguição racial não varia muito através dos tempos. Inicialmente, teme-se o crescimento rápido de uma população minoritária, da qual se finge esperar as piores traições. Depois, dela se tiram sucessivamente todos os direitos, para reduzi-la ao cativeiro preventivo. Assim fez o rei que não havia conhecido José, temendo, dizia ele, que em caso de guerra os judeus se aliassem aos inimigos do Egito”.

“A grandeza de um reino era igual a seu peso em monumentos capazes de resistir à conjuração permanente da areia e dos ventos”

“Depois de se privar os cidadãos de sua liberdade, em geral se percebe que eles podem fornecer uma mão-de-obra das mais vantajosas. Os trabalhos forçados seguem de perto a degradação civil: os judeus foram obrigados a cozer tijolos, trabalho sem fim num país em luta constante contra as invasões do deserto. E no qual a grandeza de um reino era igual a seu peso em monumentos capazes de resistir à conjuração permanente da areia e dos ventos”.

“Israel mergulhou no trabalho. E não se pode dizer que tenha engordado, entre o calor dos fornos e o calor do sol…”