Mas não o povo digitalizado – Artigo semanal de Alexandre Garcia

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Alexandre Garcia: Povo independente

“Os antigos detentores da ‘opinião pública’ sentiram a perda do poder de editar o Brasil. A reunião de pauta jornalística já não consegue escolher se o povo não pode saber”, observa o jornalista



Semana passada, comemoramos os 203 anos de nossa independência, quando a regente Leopoldina, em 2 de setembro de 1822, ouvido o Conselho de Estado, assinou o decreto que separou o Brasil do Reino de Portugal. O príncipe Pedro estava em São Paulo e, cinco dias depois, ao receber a notícia, teria clamado um “Independência ou Morte”.

Pedro Américo, 66 anos depois, imaginou e pintou o quadro que nos mostra uma cena clássica e majestosa. Em 1972, o grito foi “autenticado” por Tarcísio Meira, no filme de Aníbal Massaini e Carlos Coimbra. O movimento feminista perdeu essa dádiva da história, talvez porque a autora de nossa independência seja não do proletariado, mas da nobreza austríaca. Ou talvez porque já tínhamos a mania de dar mais importância à propaganda que ao fato em si — porque o historiador acredite que a espada é mais forte que a caneta. Restou nas bandeiras nacionais — a imperial e a republicana — o amarelo dos Habsburgo, de Leopoldina, abraçado pelo fundo verde, dos Bragança.

A Constituição do Império, a mais duradoura que tivemos, foi escrita em nome da Santíssima Trindade. O povo só aparece na Constituição da República, de 1891. A partir disso, tudo foi feito no santo nome do povo. Em seu nome, alguns tinham o direito de votar em todas as eleições, outros só nas provinciais e outros só nas locais.

As eleições eram fraudadas e a República envelheceu rápido: “Velha República”. A Revolução de 1930, que começou com um assassinato passional do candidato a vice de Getulio Vargas, João Pessoa, não chegou a empolgar o povo, mas os gaúchos amarraram seus cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco. Em 1932, os paulistas se levantaram exigindo a Constituição que a revolução de Vargas derrogara. Em 1964, Igreja e os jornais estimularam o povo, que encheu as ruas das capitais exigindo a derrubada de João Goulart.

Agora as ruas estão cheias de novo, clamando de novo pela Constituição, liberdades e justiça. Os eleitos não conseguem manter o país com estabilidade, segurança pública, política, jurídica. Os meios de informação de massa sempre foram os grandes influenciadores da chamada opinião pública — que, na verdade, não era o povo, mas os que editam o que é publicado.

Em 28 de julho de 2020, o então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, empolgado, proclamou que “nós somos editores de um país inteiro”. Ele se referia ao controle, ou censura, nas redes sociais, que deram voz a cada pessoa. Voz digital e universal, não mais a voz que se resumia aos circunstantes, se não tivesse à sua disposição o papel impresso, o microfone, a câmera de tevê.

Finalmente, o povo estava presente no Brasil, com voz — a voz digital. E, mais ainda, agora com um jovem santo padroeiro, São Carlo Acutis. Já não eram a Santíssima Trindade do Império, nem o povo sem voz da República.

A Geração Z, os que já nasceram na era digital, levantaram-se contra o governo esquerdista do Nepal, que quis calar suas vozes digitais que denunciavam corrupção. Queimaram os Três Poderes. Aqui, os antigos detentores da “opinião pública” sentiram a perda do poder de editar o Brasil. A reunião de pauta jornalística já não consegue escolher se o povo não pode saber. As redes também mostram mentira, sim, mas, no minuto seguinte, a mentira já está desmascarada na própria plataforma do mentiroso. A liberdade, hoje, é a liberdade da voz digital.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no discurso do 6 de setembro, reforçou sua teimosia em censurar as redes para “proteger as crianças, evitar racismo, ódio, pedofilia, golpes”. Mas já existe o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Código Penal. São eficazes para conter crimes nas redes e ensejar indenizações — e para expor o desejo da censura política, que contraria os artigos 5 e 220 da Constituição.

Melhor levar democracia a sério, porque a origem do poder acompanha os fatos e as atitudes de seus servidores no Estado brasileiro.


Fonte: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2025/09/7245166-alexandre-garcia-povo-independente.html