Desrespeito à Constituição e bravatas – Artigo semanal de Alexandre Garcia

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Gigante anão



A senhora libanesa quase centenária que emigrou para o Brasil já com filhos, há mais de 70 anos, me deixou profundamente impressionado enquanto almoçávamos: “Só quem emigrou para o Brasil sabe avaliar a maravilha que é este país, o melhor do mundo. Mas agora, que pena, não tem democracia no Brasil”. Sapientíssima, conhecedora do mundo e lúcida, ela me sacudiu com uma noção mais ampla da gravidade do que estamos vivendo. A corte constitucional encarregada, pela Lei Maior, de guardar a Constituição (artigo 102) não a está guardando, ao desrespeitar o juiz natural, o amplo direito de defesa, o devido processo legal, a inviolabilidade dos parlamentares “por quaisquer palavras”, a vedação à censura e a liberdade de expressão, por exemplo.

Talvez o mais grave seja o abandono, por parte do jornalismo, do dever de crítica, de fiscalização, de defesa do Estado Democrático de Direito, das liberdades e, enfim, da Constituição. Com isso, tem contribuído para naturalizar essas agressões à democracia, que levam ao dramático diagnóstico de uma brasileira de coração, que emigrou para cá no meio do século passado. Talvez se não houvesse essa omissão da mídia, os que juraram defender, guardar e cumprir a Constituição já tivessem sido expostos ao povo, que é o senhor da pátria.

O presidente da República faz o juramento diante do Congresso Nacional, em sua posse, tal como determina o artigo 78 da Constituição: assume “o compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição…” Lula, ao contrário de defender o cumprimento da Constituição, há pouco afirmou, sem enrubescer, que “no Brasil respeitamos o devido processo legal, a presunção de inocência, o contraditório e a ampla defesa”. Ou seja, nega a realidade, assim como negam os jornalistas que nada veem nas agressões à Lei Maior, assim como negam os senadores que nada veem passível da prerrogativa de apuração pelo Senado, que também é guarda da Constituição, como juraram, em pé, os senadores no dia da posse. No julgamento da presidente Dilma, 39 senadores desrespeitaram seu próprio juramento e o parágrafo único do artigo 52 foi rasgado. E Dilma perdeu o cargo, mas não ficou inelegível.

Desde então, o desrespeito à Constituição foi se naturalizando, até atingir a inviolabilidade das palavras de parlamentares. E nem isso despertou os que se acostumaram com o perjúrio. A senhora de origem libanesa que ama o Brasil está triste e preocupada. Somos um gigante econômico mundial, mas estamos anões políticos, mal representados e mal servidos pelo Estado e suas instituições – que são obrigadas a nos prestar bons serviços de segurança, justiça, ensino, saúde e, sobretudo, nos garantir liberdade e cumprimento das leis. O que nos falta é exigir dos agentes públicos que cumpram seus juramentos e voltem às quatro linhas. E clamar, a plenos pulmões: Constituição!


Fonte: https://www.gazetadopovo.com.br/vozes/alexandre-garcia/brasil-gigante-economico-anao-politico/