Catástrofe no RS, mas governo está mais preocupado com a crítica – Artigo semanal de Alexandre Garcia

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A virtude da prevenção

O que é cíclico não é excepcional. Há a obrigação das autoridades de terem planos preventivos, com potencial de mobilização — como um exército, que tem que estar sempre pronto para a guerra


Geraldo Alckmin, presidente da República em exercício, durante reunião com ministros em 8 de setembro de 2023, para tratar das enchentes no Rio Grande do Sul, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) | Foto: Cadu Gomes/VPR

Alexandre Garcia – 10 maio 2024

Tranca após a porta arrombada? Batendo cabeça? A enchente do setembro último não serviu para prevenir e abrandar os efeitos da enchente do maio seguinte. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado agora aprovou um projeto de lei de criação da Política Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres (PNGIRD), que prevê um complexo sistema nacional para ser posta em prática. Só faltou informar aos senadores que isso já existe. O Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil está na Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, e espera para ser posto em prática há 12 anos. O artigo 2º diz que é dever da União, Estados e municípios reduzir o risco de desastres. O artigo 5º diz que o primeiro objetivo do Plano é reduzir os riscos de desastres. Já existe até o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), com 11 “produtos”. E existe, ainda, uma Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, dentro do Ministério de Integração e do Desenvolvimento Regional.

Tudo com nomes e siglas tão compridos quanto o tamanho da burocracia que produz intenções em palavras bonitas, inscritas no site: “Gestão de Riscos e Desastres, com orientações e estratégias de atuação da Defesa Civil em cinco frentes: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Para a elaboração das estratégias, serão realizados levantamentos e análises de dados, bem como diagnósticos situacionais e cenários prováveis de atuação em curto, médio e longo prazo”. Se tudo isso tivesse sido convertido em ações, fora das reuniões burocráticas para gerar propaganda, se já tivessem sido adotadas ações preventivas, quantas vidas e prejuízos poderiam ter sido poupados?

Tranca após a porta arrombada? Batendo cabeça? A enchente do setembro último não serviu para prevenir e abrandar os efeitos da enchente do maio seguinte. A Comissão de Assuntos Econômicos do Senado agora aprovou um projeto de lei de criação da Política Nacional de Gestão Integral de Risco de Desastres (PNGIRD), que prevê um complexo sistema nacional para ser posta em prática. Só faltou informar aos senadores que isso já existe. O Plano Nacional de Proteção e Defesa Civil está na Lei Federal nº 12.608, de 10 de abril de 2012, e espera para ser posto em prática há 12 anos. O artigo 2º diz que é dever da União, Estados e municípios reduzir o risco de desastres. O artigo 5º diz que o primeiro objetivo do Plano é reduzir os riscos de desastres. Já existe até o Sistema Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sinpdec), com 11 “produtos”. E existe, ainda, uma Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, dentro do Ministério de Integração e do Desenvolvimento Regional.

Tudo com nomes e siglas tão compridos quanto o tamanho da burocracia que produz intenções em palavras bonitas, inscritas no site: “Gestão de Riscos e Desastres, com orientações e estratégias de atuação da Defesa Civil em cinco frentes: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. Para a elaboração das estratégias, serão realizados levantamentos e análises de dados, bem como diagnósticos situacionais e cenários prováveis de atuação em curto, médio e longo prazo”. Se tudo isso tivesse sido convertido em ações, fora das reuniões burocráticas para gerar propaganda, se já tivessem sido adotadas ações preventivas, quantas vidas e prejuízos poderiam ter sido poupados?

Vista do Rio Taquari, em Arroio do Meio, no Rio Grande do Sul (17/1/2015)

Voluntários no Rio Grande do Sul sugerem que esta catástrofe sirva para prevenir e abrandar os efeitos da próxima cheia. Todos sabem que vai haver outra — e mais outra. Eu mesmo vivi isso durante metade de minha vida, morando na margem esquerda do Rio Jacuí e depois nas duas margens do Rio Taquari. Todos os anos há enchentes, e algumas devastadoras, como foi a de 1941, nos mesmos dias de maio, comprovando a regularidade do ciclo. A diferença é que hoje há mais gente morando em áreas alcançadas pelo transbordamento dos rios. Todos os anos nuvens carregadas de umidade quente da Amazônia — um oceano voador — se chocam, sobre o Rio Grande, com o ar frio vindo da Patagônia, e aí a umidade se condensa e escorre como na parte externa de um copo com água muito fria. A água cai das nuvens e segue as ordens da gravidade. Aprendi isso desde a infância. Muito remei “caíque” na minha rua e no quintal de nossa casa. As casas onde morei em Estrela e Lajeado foram agora cobertas pela água.

Na catástrofe, a rede de solidariedade é impressionante, revelando as virtudes do povo brasileiro. E, entre uma e outra catástrofe, reina a falta da virtude de prevenção por parte do Estado brasileiro

Assim, isso é cíclico, portanto previsível. Neste ano, o choque de frio com calor úmido sobre o Estado de clima temperado foi intenso, e um aviso fora dado em setembro, com as águas do Taquari subindo 30 metros em uma noite. O que é cíclico não é excepcional. Há, pois, a obrigação das autoridades de terem planos preventivos, com potencial de mobilização — como um exército, que tem que estar sempre pronto para a guerra. Não é impossível saber para onde vai a água quando ela extravasa da calha de um rio. Não é impossível saber quando uma encosta se torna um risco. Não é impossível extrapolar a cota de uma inundação na hora de licenciar construções. Não é impossível prever e emitir aviso de chuvas torrenciais. Não é impossível fiscalizar as empreiteiras para garantir resistência de pontes e rodovias. Não é impossível corrigir o assoreamento dos rios com dragagem. Não é impossível e é obrigação do Estado, que existe para também preservar vidas e patrimônio do povo a que serve.

Quando o Estado não previne, remediar é que é impossível. Não se recuperam vidas perdidas. Nem colheita, gado, móveis, imóveis arrastados, destruídos. O Rio Grande vem de três anos de secas que prejudicaram as safras; agora é o excesso d’água. Além da natureza, há os aproveitadores, vigaristas, bandidos. Saqueadores roubam embarcações que estão resgatando gente, animais e bens, para saquear as casas semi-submersas. É preciso ficar de olho em contas de doações que só beneficiam o dono do Pix. Como em setembro, desviam doações. O governo federal anuncia liberação de valores. Aí vem uma comparação inevitável: o ministro Toffoli dispensou a Odebrecht e a J&S dos R$ 15 bilhões dos acordos feitos na Lava Jato.

O Rio Grande do Sul tem uma população resiliente. Esta catástrofe abate mas não derrota. Ninguém desiste. Os embates forjaram o gaúcho. Esta enchente é mais um desafio a ser enfrentado. Ninguém no Rio Grande é escravo do clima, do governo, ou do que quer que seja. Liberdade e iniciativa entraram na medula, geradas pelos mais variados entreveros nos últimos séculos, misturando sangue de charruas, minuanos, guaranis, espanhóis, portugueses, depois alemães, italianos, sírio-libaneses — e forjaram uma têmpera de lâmina de aço e cabo de prata. É um povo que canta seu hino como um lema; um hino que ensina que, para ser livre, não basta ser bravo, aguerrido e forte; é preciso ter virtude. Na catástrofe, a rede de solidariedade é impressionante, revelando as virtudes do povo brasileiro. E, entre uma e outra catástrofe, reina a falta da virtude de prevenção por parte do Estado brasileiro. O governo está mais preocupado com a crítica do que com a prevenção.

Fonte: https://revistaoeste.com/revista/edicao-216/a-virtude-da-prevencao/